Poema de sonhos roubados

camila carreira, poemas de amor cinzas e rosas, poesia portuguesa 2018

SONHOS QUE VOAM 

Quedo-me estática híbrida
Entre mim e outro ser qualquer 
Aquele que não consigo conter
Sinto-o apenas como ferida
Difusa lágrima dentro a doer
Acolho-me dentro de mim
Esventrada da dor sem fim
Tolhida em demente apatia
Tombo ali queda e muda
Inerte sem ambicionar andar
Vejo asas que se revolvem no ar
Ágeis leves deixam-me sonhar
Porque me forças-te a rastejar?
Se sabes o quanto sonhei voar
E o sonho foge veloz de mim
Nas asas que tonta lhe leguei
Nas asas que pra mim sonhei
Agora resignada caída enfim
Vejo o sonho e asas partirem a voejar
Enjeitando quem os estava a sonhar
Desprezando quem jurou amar

**** Camila Carreira ***

Momentos de cultura e outras poesias... 


Dr. Pancrácio (Fernando Pessoa)
SONHO

Sonhei esta existência de venturas,
Sonhei que o mundo era só d'amor,
Não pensei que havia amarguras
E que no coração habita a dor.
Sonhei que m'afagavam as ternuras
De leda vida e que jamais palor
Marcou na face humana as desventuras
Que a lei de Deus impôs com rigor.
Sonhei tudo azul e cor-de-rosa
E a sorte ostentando-se furiosa
Rasgou o sonho formoso que tive;
Sonhando sempre eu não tinha sonhado
Que n'esta vida sonha-se acordado,
Que n'este mundo a sonhar se vive!

24-5-1902 Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.  - 106. 1ª publ.: «Fernando Pessoa: a sua estreia aos 14 anos e outras poesias de 1902 a 1905». Pedro da Silveira. In Revista da Biblioteca Nacional , série 2, vol. 3, nº 3. Lisboa: Set.-Dez. 1988.


Bernardo Soares
A noite invadia lentamente a minha inatenção.

A noite invadia lentamente a minha inatenção. Despertei de repente para a ver entrada. Flutuavam ainda, nas indecisões da Natureza, ruídos incertos como se as coisas compusessem o manto para adormecer.

Tive um outro intervalo comigo próprio. Tornei a meditar sem saber em quê. Quando de novo despertei o silêncio era absoluto — logo invisível de todos os meus sonhos idos e das minhas esperanças mortas, e a minha consciência da vida afundava-se lentamente nele, assumindo, à medida que se afundava, noções novas de possibilidades de compreender a vida sob outros aspectos, vagos terrores e interiores.
As casas eram grandes jazigos impossíveis. As árvores, no seu alinhamento ao longo da avenida, vagas atitudes despidas de nos poderem dar qualquer ideia de vegetais.

Tive de repente uma sensação ampla e absurda — a de que eu era um mar, ou o traço de um mar, que a vaga proa de não sei que navio vinha erguidamente abrindo.

Pareceu-me que me dividia e que através do meu dividir, me passavam sensações de outras coisas e que essas sensações por me dividirem no passar, não eram sentidas por mim.
Acabou tudo como uma rua quando viramos a esquina. Tive uma dificuldade física em me crer existente. Para além da linha dos cimos dos prédios olhava a […]
s.d.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.  - 211.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

camila carreira, poemas de amor cinzas e rosas, poesia portuguesa 2018

camila carreira, poemas de amor cinzas e rosas, poesia portuguesa 2018

Sem comentários:

Enviar um comentário