Poema de amor e traição, (Bernardo Soares A minha vida é tão triste, e eu nem penso em chorá-la)

camila carreira, poemas de amor rosas e cinzas, poesia portuguesa

VIDA ESTÉRIL 

Caminhei assombrada e triste
Cabisbaixa de dor em riste
Como alguém que já nem existe
Cambaleei em trilhos nunca tomados
Entre seres desfigurados
Em sonhos nunca animados
Com personagens desbotados
Meus anseios sequestrados
Nessa liberdade agrilhoada
Abraçando minha ninhada.

Tanta promessa infundada
Paralisou-me em teia enlaçada
Negras são essas memórias
Que velaram minhas histórias
Onde o sol jamais se avistou
Onde o júbilo nunca singrou
Fui uma vida desprendida
Usada estéril e ofendida
Largada em qualquer desvão
Esfarrapada pela ingratidão
Dilacerada pela traição
Nem os anjos me absolverão

**** CAMILA CARREIRA ***


Momentos de cultura e outras poesias... 


Bernardo Soares
A minha vida é tão triste, e eu nem penso em chorá-la;


A minha vida é tão triste, e eu nem penso em chorá-la; as minhas horas tão falsas, e eu nem sonho o gesto de parti-las.

Como não te sonhar? Como não te sonhar?

Senhora das Horas que Passam, Madona das águas estagnadas e das algas mortas, Deusa Tutelar dos desertos abertos e das paisagens negras de rochedos estéreis... — livra-me da minha mocidade.

Consoladora dos que não têm consolação, Lágrima dos que nunca choram, Hora que nunca soa — livra-me da alegria e da felicidade.

— Ópio de todos os silêncios, Lira para não se tanger, Vitral de lonjura e de abandono — faze com que eu seja odiado pelos homens e escarnecido pelas mulheres.

— Címbalo de Extrema-Unção, Carícia sem gesto, Pomba morta à sombra, Óleo das horas passadas a sonhar — livra-me da religião, porque é suave, e da descrença porque é forte;

— Lírio fanando à tarde, Cofre de rosas murchas, Silêncio entre prece e prece — enche-me de nojo de viver, de ódio de ser são, de desprezo por ser jovem.

Torna-me inútil e estéril, ó Acolhedora de todos os sonhos vagos; faze-me puro sem razão para o ser, e falso sem amor a sê-lo, ó Água Corrente das Tristezas Vividas; que a minha boca seja uma paisagem de gelos, os meus olhos dois lagos mortos, os meus gestos um esfolhar lento de árvores velhinhas — ó Ladainha de Desassossegos, ó Missa-Roxa de Cansaços, ó Corola, ó Fluido, ó Ascensão!...

(E) Que pena eu ter de te rezar como a uma mulher, e não te querer (...)como a um homem, e não te poder erguer os olhos do meu sonho como Aurora-ao-contrário do sexo irreal dos anjos que nunca entraram no céu!

s.d. Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.  - 255.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

Bernardo Soares
Aprende a desligar as ideias de voluptuosidade e de prazer.


Aprende a desligar as ideias de voluptuosidade e de prazer. Aprende a gozar em tudo, não o que ele é, mas as ideias e os sonhos que provoca. Porque nada é o que é: os sonhos sempre são os sonhos. Para isso precisas não tocar em nada. Se tocares o teu sonho morrerá, o objecto tocado ocupará a tua sensação.

Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar. Não se aproximar — eis o que é fidalgo.

Ser puro, não para ser nobre, ou para ser forte, mas para ser si próprio. Quem dá amor, perde amor.

Abdicar da vida para não abdicar de si próprio.

A mulher uma boa fonte de sonhos. Nunca lhe toques.

s.d.Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.  - 264.
"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.
camila carreira, poesia portuguesa, frases de amor, imagens poemas

Sem comentários:

Enviar um comentário