Porque é a profundidade que amo

Brotem as palavras de tambores ou gerânios  
As vielas que fechadas se abram de par em par 
As noites negras que me dissipem
Pelas ruas, indo como num labirinto 
Enlevo-me em vestes retalhadas 
De todas as eiras e fainas 
conquistas e derrotas debulhadas
Pele e alma calejadas da lide 
Renascida na fascinação repentina que me anima 
Esmifro tudo que se me atira aos olhos 
Vejo tanto do todo que não se me apresenta 
Ímpetos sem tréguas encarnando emoções 
- e vós ai… amorfas corroendo fábulas antigas  
Carpireis lírios lúgubres em colchas inertes 
Bordareis em suspiros a sorte - a morte
Memórias rendilhadas repetidas de sujeição
Sibilando rancores e dós ignotos 
De quem sabe apenas o que lhe dão 
Aceitam sem aflição
- Sou impertinente para que suba a perplexão
Praguejo na praça atirando poemas
Empunho pedras e cravos como brados
Nasci garganta e grito séculos
Alimentei em mim estes exércitos

Talvez abrupta
Por nascer e morrer nesta berma desbotada 
Onde o que te mostram é nada
Onde os limites se pisam a toda a hora
Onde as revoluções se urdem
Recuso viver à superfície da coisa
Movo-me na intimidade de tudo
No âmago das dúvidas
Porque é a profundidade que amo
Se é a verdade que busco

Camila Carreira