Poema de paixão. Trespasso-te no silêncio com amor e gestos ( Análise : poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen)

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Deito-me no soalho extremo da paixão
meia despida de barulho, vens 
E semeias sorrisos em mim toda
quero declamar-te versos límpidos- 
Que como barro dão forma ao sentir
moldam filosofias em verbos
humores da carne 
como líquenes no lado sombrio da oliveira -
brotos brotando da pele da alma 
de poros do corpo fiel ao teu
e nascem raízes profundas afiladas

Trespasso o silêncio com amor e gestos
Com onomatopeias de fogo na espada
é devastadora a palavra gemida 
Ofuscante a dança que nos une
A luz vem de dentro - o brilho vem de nós

E nas manhãs que nossos olhos se atravessam - 
o espanto aquieta-se com aroma a paz
Pensamentos fluem na mesma cláusula -
silêncios talhados na nossa cumplicidade. 
Juntos com serenidade dos bandos



Camila Carreira

Poema de amor. Se eu fosse lua no sossego da tua boca. (análise do poema de Luís de Camões)

Na noite que é espessa –  acendes vogais em palavras que escrevo  Lê-me...

Na noite, que é espessa –
acendes vogais nas palavras que escrevo
Casto espanto me cerca ilegível
e ascendo para infinitos inexplicáveis
Em obstinados rigores onde fomos sempre... 
sinto a antiguidade do “nós” como baú
alva linha que traça destinos nos guardou
em reflexo mutuo
sempre fomos 

Vamos...
do frio húmido... das ruas vagas e lívidas –
tanta vida a apagar-se no mero vazio torpe 
Obsceno esmorecer de sufoco e cansaço
Tanto peso e abdicação na candeia consumida
Mas fora eu única e lua no sossego da tua boca
E tudo ficaria desperto até às horas mais tardias
Revitalizado de energias 

Beija-me...
Como fogo que queima o oxigénio à razão
Como altivas vagas que alevantas 
e desperta todas as coisas que adiei
e das nuvens convulsas derramo arrependimento
para viver tudo agora sem perdão
 foi triste toda a ambição -
toda a aflição do tempo encriptado-
toda a pieguice do vazio passado
... e como é veloz a vida...
nem se matam todas as fomes

Neste quase nada que é tanto, o instante
Que é vinho e poema, a palavra é parca
Tempestade onde o silêncio clama
vida é lampejo tão à beira do eterno abismo
tanto mar e tão poucas correntes me levam
presa à vida nas ondas extremosas do amor
No cais à proa onde o coração é a âncora
ancoro... sem querer partir 

Camila Carreira