Poema do inatingível abismo onde a viagem termina

poetisa portuguesa, poemas de rosas e cinzas, camila carreira poetisaSurpreendo-me em dias que se desmentem
Em que me sentando à luz da Primavera
A sinto Outono, fosca triste de almas caindo
Flui do crepúsculo líquida melancolia
escuto a noite que exclama solidão
E varrida plo marasmo e prostração
Agito os dias para ouvir o ruído da vida
Sem viço entro pelo outono e fluo
Caída nessa vertigem dos dias noturnos
Exumo efémeras raízes da mentira
Que inventei para ter que viver
infindas noites seguidas de dias!
morrendo a cada outono
como folha caída
Anjos e demónios digladiam-se em mim
Desarrumam-me o interior do corpo todo
E procuro dentro de mim um esconso
Um canto a que me encostasse
Uma sombra que me ocultasse
exaurida das extenuantes horas baldias
Onde só busco desta via, uma saída
Do intangível abismo onde toda a viagem termina
Percorremos cegos, adictos essa estrada da vida
Num incontornável rumo à morte


***Camila Carreira***

Momentos de cultura e curiosidades poéticas 


Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA ·
Bernardo Soares

Entre a vida teórica e a vida prática há um abismo,

Entre a vida teórica e a vida prática há um abismo, sobre o qual alguns, mais individuais, não sociais são ponte.

Manda quem quer, servo de pensamentos dispersos, anónimos, que por tais não são pensamentos.

Deixemos a acção àqueles que pensam pela cabeça alheia, pois que existem só para agir. Recolhamo-nos ao jogo alado, fútil até, das teorias, desiludidos de qualquer possibilidade de podermos agir sobre os outros, de sermos mais na vida que forasteiros.

Desdenhadores de todos os ideais, sobretudo dos que buscam a felicidade na terra para os outros — pois a felicidade não pode ser ideal senão para nós — vivamos separados, como os outros iniciados, os da alma (para além da inteligência), que nada, também, querem ou esperam da vida. Assim o visionista seguirá a par do adepto, entre as minas do templo de Salomão, e por aquele plaino próximo onde, um tempo, o Mestre esteve sepulto.

s.d.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.  - 228.
"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

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