Poema do silêncio frio que ensurdece

camila carreira, poesia portuguesa, versos curtos, poesia portuguesesTeu silêncio frio me ensurdece 
Em gritos que só eu sei escutar 
Fulo inflamado mas não parece 
Mestre culpado sem confessar 
Coração de gelo que tudo arrefece
Encoberto malvado sem professar 
A crueldade com que infestavas o ar
Mestre do engano a disfarçar
Até ao golpe final fingindo amar    
O quanto te doeu a nossa dor?
Quando partiste sem nos cuidar?
Quando fingiste ser desconhecedor
Da dantesca injustiça 
Com que nos estavas a sacrificar?
Tonta fui eu em acreditar
Anos a fio sem duvidar 
Por pena de te ver chorar
Quando falso juravas amar  

Tonta fui eu acreditar 
Que tu aberração do terror 
Hipócrita vil e fingidor 
Serias humano e capaz de amar
Ou por alguém sentir dor.  

**** Camila Carreira ***

Momentos de cultura e curiosidades poéticas.... 

Álvaro de Campos
Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.


Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São — tictac visível — quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela directamente, no desespero da insónia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!
Fraternidade na noite!

Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.

Quem serás? Doente, moedeiro falso, insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna, informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas luzes,
Neste momento e lugar, ignorando-nos, somos toda a vida.
Sobre o parapeito da janela da traseira da casa,
Sentindo húmida da noite a madeira onde agarro,
Debruço-me para o infinito e, um pouco, para mim.

Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo!
Que fazes, camarada, da janela com luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela incógnita...
Tem graça: não tens luz eléctrica.
Ó candeeiros de petróleo da minha infância perdida!
25-11-1931
Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.  - 153.



camila carreira, poesia portuguesa, versos curtos, poesia portugueses

camila carreira, poesia portuguesa, versos curtos, poesia portugueses


Sem comentários:

Enviar um comentário