Poema de libertação quero ir

Sou a força que me animo 

camila carreira, poesia de amor rosas e cinzas, poetisa 2018
A vida trucida-nos em vórtices de dor.
Quando trapaceados e traídos
Por quem damos a vida e o amor
Num ápice, o Universo desaba
Pairamos sem fundamento.
Nada nos dá alento
Derivamos em corrente intrépida,
Frenética e impiedosa.
Adivinhando como nos vai asfixiar
Nada se avista para nos arribar
Apenas um vazio infindável
Onde se expande irreprimível dor.
Vergados à inclemente destruição.
Ao desalento dos perdidos na imensidão.
...No desamor e na solidão
Dos enclausurados nas sombras
Com eternas promessas de libertação...

Do mundo fiquei de veras, distante
Nada me anuíram ser ou viver
Quis ser livre nem que por um instante
Viva! Pertinente! Eu … enfim!
Repeli irada o cárcere da solidão
Derrubei muralhas quis ir em frente
Soltei meus devaneios na amplidão
Vi-me renascer súbita e eminente
Decidi partir, ir mesmo sem destino
Ir para onde o sonho deslaçado me levar
Quero ir sendo a força que me animo
Sem medos nem grilhões... até chegar

*** CAMILA CARREIRA ***

Momentos de cultura e outras curiosidades poéticas... 


Bernardo Soares
Estou num dia em que me pesa


Estou num dia em que me pesa, como uma entrada no cárcere, a monotonia de tudo. A monotonia de tudo não é, porém, senão a monotonia de mim. Cada rosto, ainda que seja o de quem vimos ontem, é outro hoje, pois que hoje não é ontem. Cada dia é o dia que é, e nunca houve outro igual no mundo. Só em nossa alma está a identidade - a identidade sentida, embora falsa, consigo mesma - pela qual tudo se assemelha e se simplifica. O mundo é coisas destacadas e arestas diferentes; mas, se somos míopes, é uma névoa insuficiente e contínua.

O meu desejo é fugir. Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao que amo. Desejo partir - não para as índias impossíveis, ou para as grandes ilhas ao Sul de tudo, mas para o lugar qualquer - aldeia ou ermo - que tenha em si o não ser este lugar. Quero não ver mais estes rostos, estes hábitos e estes dias. Quero repousar, alheio, do meu fingimento orgânico. Quero sentir o sono chegar como vida, e não como repouso. Uma cabana à beira-mar, uma caverna, até, no socalco rugoso de uma serra, me pode dar isto. Infelizmente, só a minha vontade mo não pode dar.

A escravatura é a lei da vida, e não há outra lei, porque esta tem de cumprir-se, sem revolta possível nem refúgio que achar. Uns nascem escravos, outros tornam-se escravos, e a outros a escravidão é dada. O amor cobarde que todos temos à liberdade - que, se a tivéssemos, estranharíamos, por nova, repudiando-a - é o verdadeiro sinal do peso da nossa escravidão. Eu mesmo, que acabo de dizer que desejaria a cabana ou caverna onde estivesse livre da monotonia de tudo, que é a de mim, ousaria eu partir para essa cabana ou caverna, sabendo, por conhecimento, que, pois que a monotonia é de mim, a haveria sempre de ter comigo? Eu mesmo, que sufoco onde estou e porque estou, onde respiraria melhor se a doença é dos meus pulmões e não das coisas que me cercam? Eu mesmo, que anseio alto pelo sol puro e os campos livres, pelo mar visível e o horizonte inteiro, quem me diz que não estranharia a cama, ou a comida, ou não ter que descer os oito lanços de escada até à rua, ou não entrar na tabacaria da esquina, ou não trocar os bons-dias com o barbeiro ocioso?
Tudo que nos cerca se torna parte de nós, se nos infiltra na sensação da carne e da vida, e, baba da grande Aranha, nos liga subtilmente ao que está perto, enleando-nos num leito leve de morte lenta, onde baloiçamos ao vento. Tudo é nós, e nós somos tudo; mas de que serve isto, se tudo é nada?

Um raio de sol, uma nuvem que a sombra súbita diz que passa, uma brisa que se ergue, o silêncio que se segue quando ela cessa, um rosto ou otro, algumas vozes, o riso casual entre elas que falam, e depois a noite onde emergem sem sentido os hieróglifos quebrados das estrelas.


camila carreira, poesia de amor rosas e cinzas, poetisa 2018

camila carreira, poesia de amor rosas e cinzas, poetisa 2018


2 comentários:

  1. Parabéns pelo belo Site e seu conteúdo, Camila.
    Um grande e fraterno abraço!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada pelo seu generoso comentário que muito aprecio.

      Eliminar