Poema destino vincado

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Trilhando este calvário frio e lento
Cavado de sulcos de sofrimento
Arrasto passos em vão alento
Nem enxergo pra onde vou
Que importa o movimento
Se parada sempre estou
E nada nunca se alcançou
E já se dissipou o fervor
Com que procurei amor
Ou outro qualquer valor
E ao fundo só avisto dor

Estanco-me hirta e irada
E desembainho minha espada
Escrevo de lâmina afiada
Como quem saca do rancor
Para trespassar um traidor
Como quem ferida de morte
Caída nessa má sorte
Só ressuscitará por amor
E já nada tem a perder
Pode matar e morrer

Nesta existência finda e tacanha
Cravada de tristeza tamanha
Jamais me liberto deste fado
Deste destino de triste, vincado
                                *** Camila Carreira***

Momentos de cultura e outras curiosidades poéticas... 


Bernardo Soares
A tragédia principal da minha vida é, como todas as tragédias,


A tragédia principal da minha vida é, como todas as tragédias, uma ironia do Destino. Repugno a vida real como uma condenação; repugno o sonho como uma libertação ignóbil. Mas vivo o mais sórdido e o mais quotidiano da vida real; e vivo o mais intenso e o mais constante do sonho. Sou como um escravo que se embebeda à sesta — duas misérias em um corpo só.

Sim, vejo nitidamente, com a clareza com [que] os relâmpagos da razão destacam do negrume da vida os objectos próximos que no-la formam, o que há de vil, de lasso, de deixado e factício, nesta Rua dos Douradores que me é a vida inteira — este escritório sórdido até à sua medula de gente, este quarto mensalmente alugado onde nada acontece senão viver um morto, esta mercearia da esquina cujo dono conheço como gente conhece gente, estes moços da porta da taberna antiga, esta inutilidade trabalhosa de todos os dias iguais, esta repetição pegada das mesmas personagens, como um drama que consiste apenas no cenário, e o cenário estivesse às avessas...

Mas vejo também que fugir a isto seria ou dominá-lo ou repudiá-lo, e eu nem o domino, porque o não excedo adentro do real, nem o repudio, porque, sonhe o que sonhe, fico sempre onde estou.

E o sonho, a vergonha de fugir para mim, a cobardia de ter como vida aquele lixo da alma que os outros têm só no sono, na figura da morte com que ressonam, na calma com que parecem vegetais progredidos!
Não poder ter um gesto nobre que não seja de portas adentro, nem um desejo inútil que não seja deveras inútil!

Definiu César toda a figura da ambição quando disse aquelas palavras: «Antes o primeiro na aldeia do que o segundo em Roma!» Eu não sou nada nem na aldeia nem em Roma nenhuma. Ao menos, o merceeiro da esquina é respeitado da Rua da Assunção até à Rua da Vitória; é o César de um quarteirão. Eu superior a ele? Em quê, se o nada não comporta superioridade, nem inferioridade, nem comparação?

É César de todo um quarteirão e as mulheres gostam dele condignamente.
E assim arrasto a fazer o que não quero, e a sonhar o que não posso ter, a minha vida (...), absurda como um relógio público parado.

Aquela sensibilidade ténue, mas firme, o sonho longo mas consciente (...) que forma no seu conjunto o meu privilégio de penumbra.
s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.  - 96.
"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

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