Poema só o viver já me castiga

poemas de amor rosas e cinzas, frases e versos, poemas de dor, morte
Não quero mais viver aqui
Onde só o viver já me castiga
Incontáveis golpes que recebi
Dor de que ninguém me abriga

Nunca fui eu que pedi
Este viver nulo e cruel
Com ele somente sofri
Dele apenas traguei o fel

Preciso recusar este viver
Esta previsível e lenta agonia
E cada sol que vir nascer
Será sempre e só, só mais um dia

E em cada dia que aqui eu for
Vou saber que é sempre triste
Viver esperando só mais dor
Sabendo que nada mais existe

Augúrios que pairam no ar
Sinto-os vindo como vento
Como chuva fria a fustigar
E eu desabrigada ao relento

Hoje perguntei ao vil destino
Porque me condenou ele a mim
Já consternada só procrastino
Existir neste calvário sem fim

Fitei o horizonte com desdém
Censurando infinita a crueldade
Quis existir paralela mais além
Fantasiando brisas da bondade

*** Camila Carreira ****

Momentos de Cultura e curiosidades poéticas... 


Fernando Pessoa
A morte é a curva da estrada,


A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
23-5-1932 
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).  - 142.

Bernardo Soares
A vida prática sempre me pareceu o menos cómodo dos suicídios.


A vida prática sempre me pareceu o menos cómodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho injustamente condenado. Ter influência no mundo exterior, alterar coisas, transpor entes, influir em gente — tudo isto pareceu-me sempre de uma substância mais nebulosa que a dos meus devaneios. A futilidade imanente de todas as formas da acção foi, desde a minha infância, uma das medidas mais queridas do meu desapego até de mim.

Agir é reagir contra si próprio. Influenciar é sair de casa.

Sempre meditei como era absurdo que, onde a realidade substancial é uma série de sensações, houvesse coisas tão complicadamente simples como comércios, indústrias, relações sociais e familiares, tão desoladoramente incompreensíveis perante a atitude interior da alma para com a ideia de verdade.

s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.  - 355.
"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

Sem comentários:

Enviar um comentário