Poema do amor escudado e frio

O sol fita-me sem verdade
De olhar evidente que queima
camila carreira, poesia e quadras de amor, versos rimas namorar
Alto indiferente sem piedade
Como castigo vil em que teima

E quando o sol me não fitar
Recolhido no remoto crepúsculo
Seguirá mesmo assim a queimar
Este meu ser que lhe é minúsculo

Porque tinhas que ser assim
Sol impenetrável e castigador
Fugido no horizonte sem mim
Escudado de frio ao meu amor

Nessa névoa que te encobre
Onde jamais te encontrarei
Nessa tua imponência nobre
Intimidas-me, é tudo que sei

*** Camila Carreira  ***

Momentos de cultura e curiosidades poéticas... 


Fernando Pessoa
Ah, como o sono é a verdade, e a única


Ah, como o sono é a verdade, e a única
Hora suave é a de adormecer!
Amor ideal, tens chagas sob a túnica.
Esperança, és a ilusão a apodrecer.

Os deuses vão-se como forasteiros.
Como uma feira acaba a tradição.
Somos todos palhaços estrangeiros.
A nossa vida é palco e confusão.

Ah, dormir tudo! Pôr um sono à roda
Do esforço inútil e da sorte incerta!
Que a morte virtual da vida toda
Seja, sons, a janela que, entreaberta,

Só um crepúsculo do mundo deixe
Chegar à sonolência que se sente;
E a alma se desfaça como um peixe
Atado pelos dedos de um demente...
s. d.
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).  - 141. 

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