Poema da dormente ousadia

camila carreira, poemas de amor rosas e cinzasAcorrentada no desamor que me amortalha
Vestindo este semblante triste minha mortalha
Ressequido meu amago como facho de palha
Desalentada… finda em jangada que encalha

E se minha alma levitava em sonhos tantos
Desenganada caída dissipou seus encantos
Derribou-se ali débil rendida em prantos
E largou a esperança esvaída nos recantos

No negrume da noite intentei a travessia
Eu só e presa na infinda bruma, sem dia
Sem estrelas nem luar, ai quem me guia?
Quem me desperta esta dormente ousadia?

****** Camila Carreira *****


Momentos de cultura e outras curiosidades poéticas... 


Bernardo Soares

Não toquemos na vida nem com as pontas dos dedos.


Não toquemos na vida nem com as pontas dos dedos. Não amemos nem com o pensamento.

Que nenhum beijo de mulher nem mesmo em sonho(s), seja uma sensação nossa.
Artífices da morbidez, requintemo-nos em ensinar a desiludir-se. Curiosos da vida espreitemos a todos os muros, antecansados de saber que não vamos ver nada de novo ou belo.

Tecelões da desesperança, teçamos mortalhas apenas — mortalhas brancas para os sonhos que nunca sonhámos, mortalhas negras para os dias que morremos, mortalhas cor de cinza para os gestos que apenas sonhámos, mortalhas imperiais de púrpura para as nossas sensações inúteis.


Pelos montados e pelos vales e pelas margens (...) dos (...) pântanos, caçam caçadores o lobo e a corça (...) e o pato bravo também. Odiemo-los, não porque caçam, mas porque gozam (e nós não gozamos).


Seja a expressão do nosso rosto um sorriso pálido, como de alguém que vai chorar, um olhar vago, como de alguém que não quer ver, um desdém esparso por todas as feições, como o de alguém que despreza a vida e a vive apenas para ter que desprezar.


E seja o nosso desprezo para os que trabalham e lutam e o nosso ódio para os que esperam e confiam.

(Fim)
s.d.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.  - 88.
1ª versão: Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

3 comentários:

  1. Lindo poema!
    Ele fala por mim! É como se entrasse bem no fundo da minha alma e a fotografasse em
    palavras! Espero que ele não seja a fotografia de ti mesma. É nostálgico demais e é muito triste sentir-se assim, carregar o fardo tão pesado das dores do mundo. Parabéns!

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    1. Muito obrigada pela sua visita caro Zul, e por ter partilhado o que sente. Os meus poemas nem sempre são autobiográficos, mas existem neles, sempre alguma percentagem de realidade, porque os poemas são a forma como eu sinto as coisas, no entanto, as coisas em si, sobre as quais escrevo o que sinto, é que podem ser apenas uma fantasia.

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  2. e muito linda sou apaxonado por poemas sao lindos

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