Poema de amor e saudade sem fim - Bernardo Soares A história negas as coisas certas.

Dor de saudade 

Não tinhas o direito de ser assim 
Ser tanto na minha vida…
Ser tudo para mim.
De iluminar o meu universo
Antes tão tenebroso
De ter contigo, esse sorriso
Fácil e luminoso
Esse olhar que me fala,
Intenso e misterioso
Esses lábios que extasiam,
Perfeitos e pecaminosos
Esse encanto magnético
Pulsante e imperioso
Essas mãos eléctricas
De toque tão poderoso
Não é justo… é doloroso.
Se era para ser assim,
Para seres tudo e tanto para mim
Tinhas que estar sempre, sempre…
Bem junto de mim.
E sanar esta dor, esta saudade sem fim

 *** Camila Carreira ***

Momentos de cultura... 

Bernardo Soares
A história negas as coisas certas.

A história nega as coisas certas. Há períodos de ordem em que tudo é vil e períodos de desordem em que tudo é alto. As decadências são férteis em virilidade mental; as épocas de força em fraqueza do espírito. Tudo se mistura e se cruza, e não há verdade senão no supô-la.

Tantos nobres ideais caídos entre o estrume, tantas ânsias verdadeiras extraviadas entre o enxurro!

Para mim são iguais, deuses ou homens, na confusão prolixa do destino incerto. Desfilam-me, neste quarto andar incógnito, em sucessões de sonhos, e não são mais para mim do que foram para os que acreditaram neles. Manipansos dos negros de olhos incertos e espantados, deuses-bichos dos selvagens de sertões emaranhados, símbolos figurados de egípcios, claras divindades gregas, hirtos deuses romanos, Mitra senhor do Sol e da emoção, Jesus senhor da consequência e da caridade, critérios vários do mesmo Cristo, santos novos deuses das novas vilas, todos desfilam, todos, na marcha fúnebre (romaria ou enterro) do erro e da ilusão. Marcham todos, e atrás deles marcham, sombras vazias, os sonhos que, por serem sombras no chão, os piores sonhadores julgam que estão assentes sobre a terra — pobres conceitos sem alma nem figura, Liberdade, Humanidade, Felicidade, o Futuro Melhor, a Ciência Social, e arrastam-se na solidão da treva como folhas movidas um pouco para a frente por uma cauda de manto régio que houvesse sido roubado por mendigos.
s.d. Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.  - 410.
"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

3 comentários:

  1. NO ME ACEPTAN SIN DARME UN MOTIVO PUSE MI EMAIL Y NDA MARIE CARMEN FERNANDEZ ANDALUZA ESPANA

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  2. O que não seria justo e o que seria doloroso para o multiverso da leitura seria se seres humanos como a poetisa que escreveu este poema tivessem decidido sucumbir perante a injustiça e/ou perante a dor da perda. Felizmente para nós; alguns destes seres humanos conseguem fugir das garras -[sempre frias = sem apreço/respeito/amor para dar a outrem]- das trevas enquanto decidem pendurar e expor, de quando em vez, algumas das suas profundas realidades/sinceridades/verdades interiores nos ramos do arbusto dado pelo nome de “partilha”.

    Comentário inspirado no poeta/escritor/filósofo sito no seguinte website:

    www.miltoncoelho.weebly.com

    Para si (senhora poetisa Camila Carreira); para os seus leitores + para as suas leitoras:

    Bem haja/hajam!

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