Que alguém tem que existir?
E uma vida inocente fazes vir?
Na pertinácia do nascer
Uma pulsão sem querer
Carnes a romper
Sangue a correr
Gritos de dor
Até ensandecer
É isto o glorioso nascer?
Um auguro do que será viver?
Nascer é padecer
E viver continua a o ser
O mundo é para doer
E faz tabu do alívio de morrer
Ordenando que tens que viver
Arrojados sem querer
Coagidos sem saber
Calados sem poder escolher
Vivendo mesmo sem poder
Nascidos sem pedir
Porque sobrevivemos a resilir?
Se podíamos nunca existir
E daí nunca ter de sentir
O ardor que impele a desistir
Se não começas não acabas
Se não vives nem te enfadas
Sem nascer não há morrer
Sem viver não há sofrer
Porque temos que nascer?
Sem ninguém nos indagar?
E se nascer é começar
Um trilho de sal e mar
Incerto e sempre a queimar
Que temos que amargar
Sem nunca poder parar
*** Camila Carreira ***
Momentos de cultura e curiosidades poéticas
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Se Depois de Eu Morrer,
Quiserem Escrever a Minha Biografia
Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa (ortónimo)
Em Fernando Pessoa, observa-se a presença de uma pequena humanidade, com diversas personagens que possuem personalidades distintas, designadas heterónimos. Mas há, também, uma personalidade poética ativa que mantém o nome de Fernando Pessoa e, por isso, se designa de ortónimo.Em Fernando Pessoa ortónimo, sem incluir a Mensagem, coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. Há poemas mais tradicionais com influência da lírica de Garrett ou do sebastianismo e do saudosismo, apresentando suavidade rítmica e musical, em versos geralmente curtos; mas a maior parte abre caminho a experimentações modernistas com a procura da intelectualização das sensações e dos sentimentos.
Desde a sua colaboração no Orpheu, há uma rutura. Fez um aproveitamento cuidado do impressionismo e do simbolismo, abrindo caminho ao modernismo com o texto-programa do Paulismo (em Impressões do Crepúsculo), onde põe em destaque o vago, a subtileza e a complexidade; desenvolveu outras experimentações modernistas com o Intersecionismo e com o Sensacionismo; revelou-se dialético procurando a intelectualização das sensações e dos sentimentos.
Para Fernando Pessoa, um poema, como a arte, "é um produto intelectual" e, por isso, não acontece "no momento da emoção", mas resulta da sua recordação. A emoção precisa de "existir intelectualmente", o que só na recordação é possível.
Há uma necessidade da intelectualização do sentimento para exprimir a arte. Ao não ser um produto direto da emoção, mas uma construção mental, a elaboração do poema confunde-se com um "fingimento".
Na criação artística, o poeta parte da realidade mas só consegue, com autêntica sinceridade, representar com palavras ou outros signos o "fingimento", que não é mais do que uma realidade nova, elaborada mentalmente graças à conceção de novas relações significativas, que a distanciação do real lhe permitiu.
O fingimento não impede a sinceridade, apenas implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar. A dialética da sinceridade/fingimento liga-se à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar.
Na poesia de Fernando Pessoa, é constante o conflito entre o pensar e o sentir, que em boa parte revela a dificuldade em conciliar o que idealiza com o que consegue realizar, com a sequente frustração que a consciência de tudo isto implica.
Revela-se aí um drama de personalidade que o leva à dispersão, em relação ao real e a si mesmo. A dor de pensar traduz insatisfação e dúvida sobre a utilidade do pensamento.
Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência. O pensamento racional não se coaduna com verdadeiramente sentir sensitivamente.
O tempo, na poesia pessoana, é um fator de desagregação, porque tudo é efémero. Isso leva-o a desejar ser criança de novo. Pessoa sente a nostalgia da criança que passou ao lado das alegrias e da ternura. Chora, por isso, uma felicidade passada, para lá da infância.
Há uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de felicidade. Nas palavras do semi-heterónimo Bernardo Soares: "O meu passado é tudo quanto não consegui ser". Para Fernando Pessoa o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desilusão. Daí o constante ceticismo perante a vida real e de sonho.
Amar é brincar de INCERTEZAS...
ResponderEliminarÉ sentir o coração jogar o jogo...
do perder ou ganhar.
Ah, como eu queria brincar com o fogo...
sem que ele pudesse me queimar !
Muito obrigada por visitar o meu blog e deixar o seu poema. Gostei muito
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