Quero passar sem ser, sem ver, sem sentir

camila carreira, poemas de rosas e cinzas, poesia de portugal
Sofro em mim o medo carnívoro cravado na alma
Eis-me vital
a dor... 
Arde perene como um inferno interior 
dias vividos doridos, porque jamais esquecidos… momentos em que perdi o Éden dos meus sentidos

Oh paraíso intangível e infernal... caída
Por ti me choro...
qual tulipa destroçada em húmus e lodo
Em sombrios bosques do passado. 
Solitários silêncios erigidos da imponência que oculta o meu desviver… 

Entre esgares de névoas escarlate, rastejo pelo musgo húmido, 
sinto terra acre na boca 
Anímica caída, aninho-me devagar no desalento 
desnuda tendida no manto de folhas e lodo, 
regelo... intumescem-se-me os seios
sinto penetrantes nas coxas raízes rígidas, salientes
ferem-me toda
Desassossego-me... mas abandono-me

O mundo lá fora esquece-me em lábios que se calam no olvido triste dos perdidos no tempo
As árvores ignoram-me como o vento
nunca quiseram saber da minha nudez, da minha dor, ou da solidão calada
No barulho longe da poesia... 
Agrego-me camuflada sem aspirar aroma nem cor – olhos cerrados escondida no escuro interior
Quero passar sem ser, sem ver, sem sentir… só ir

Deixo de ser tudo, já nem tulipas, porque vivo sem amores
Morrendo lenta, em amplos estertores –
Passos compassados fugindo do amor

Culpando vis homens… estupores
Sou um nada… já nem terra nem flores.

Renego despontar-me, florir ou ser
Se entre brumas frias de dementes e sem valores
Basta-me ser mero traço insubstancial desenhado em sombras.
Natureza morta de pêssegos garridos perfumados
em tela pintados sem aroma nem cor
Aveludados sem calor…
sou eu..
assim,
sem amor!


Camila Carreira


Momentos de cultura e outras curiosidades culturais