Poemas de Florbela Espanca analisados

camila carreira, blog poemas amor, cinzas e rosas

EU


Eu sou a que no mundo anda perdida
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porque...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
                                   
                                  Florbela Espanca

FLORBELA ESPANCA ANÁLISE DO POEMA “EU”   

A primeira década do século XX em Portugal foi marcada por colisões de diversas correntes literárias: Decadentismo, Simbolismo, Impressionismo.
Florbela Espanca (1894-1908) viveu neste cenário momento em que surgia o Modernismo, na procura de novos meios de expressão, novas perspetivas e diretrizes para a arte e a literatura, ela passou à margem dos vanguardismos e dos movimentos do Orpheu e da Presença.
Florbela Espanca criava poemas por necessidade intrínseca e o seu estilo não se moldava nem continha para acompanhar escolas e modas da época

A poética de Florbela

A poesia de Florbela, foi mais reveladora de talento que os contos, por ser o resultado de uma sensibilidade exacerbada revelada em impulsos eróticos que correspondem a um verdadeiro diário íntimo, no qual extravasa as suas lutas que se travam dentro dela, tendências e sentimentos opostos.
Segundo Moisés (2008) caracterizando uma poesia-confissão, pela qual ganha relevo eloquente, cálido e sincero.
O seu lirismo vai oscilar entre um auto enternecimento e uma explosão erótica que tudo avassala, por isso falamos num certo “donjuanismo feminino”, pois o sensualismo desconhece limites, e espraia-se cálido e franco, no magma dos poemas; o seu erotismo supera as hipocrisias e as convenções pequeno-burguesas, cumprindo-se direto e natural, livre de intelectualização ou mentalização deformada.

Segundo estudo crítico de José Régio (1982), a poesia de Florbela caracteriza-se por ser uma poesia de vida, onde ela põe todos os seus sentimentos nos poemas. Ele a caracteriza também como uma Mulher que parece ter nascido com duas incuráveis feridas: a insaciabilidade provada na sua constante inquietação e insatisfação e a de ser ela demais para uma só, de não caber em si, transbordar dos limites de uma personalidade.
Florbela tem sido divulgada como poetisa do amor, do erotismo, da sensibilidade, do “donjuanismo feminino” e outros. Mas não podemos deixar de vê-la também como poetisa da dor, e não só daquela que é obvia de amor, mas também a de uma dor existencial a que ela põe à tona em quase todos os seus poemas; é poetisa do tempo, deste que passa e que é preciso fruir intensamente a cada instante; é poetisa do panteísmo, pampsiquismo e pansensualismo de cânticos pagãs à vida, embora também poetisa da morte, onde ora é desejada, ora é repelida; poetisa da poesia como destino, da missão e tragédia de ser poeta; poetisa da torre-de-marfim, usado em suas fugas; poetisa da problemática da alteridade (jogo Eu-Outro, Outro-Outros); e poetisa da mocidade que é ameaçada pela velhice e das cores e flores.
Diante deste perfil de poetisa, Florbela construiu uma linguagem própria, que por sua qualidade de elementos estéticos decisivos e particulares, cria algo de novo dentro dessa ordem simbólica da linguagem, a qual nos permite alcançar o seu discurso inconsciente através de uma análise psicocrítica dos elementos, níveis e planos existentes de sua criação poética.

Florbela Espanca dentro da estética literária

Estudos de vários autores mostram como Florbela é posta nas estéticas literárias, apresenta-se por vezes como Romântica, Simbolista-Decadentista, Pré-Modernista e Modernista.
Segundo Paiva, Org.(1995), o subjetivismo, pessimismo e especialmente o individualismo de Florbela a caracteriza visceralmente lírica e romântica, onde vida e obra se entretecem.
Já nos estudos de Douglas Tufano (1981), Florbela Espanca é considerada Simbolista, onde embora não pertencente ao momento áureo deste movimento, mas a sua poesia tensa e dramaticamente voltada aos problemas interiores da alma revelando sua ligação espiritual com autores, sobretudo Antônio Nobre e ideias simbolistas.
Na linha Pré-Modernista é Abdala Júnior (1985) quem a coloca, dizendo que embora a poética de Florbela tenha se desenvolvido em um momento isolado, individual, insere-se no período de transição do Simbolismo para o Modernismo.
Florbela Espanca Modernista é defendida por José Régio, onde ela se aproxima do Presencismo por sua filosofia de Literatura Viva.
E por Massaud Moisés (2009), pondo-a no movimento do Interregno, ocasião de transição entre Orfismo-Presencismo. Também nos estudos de José Rodrigues de Paiva (1995), onde este faz comparações quanto à estética com os modernistas Sá Carneiro e Fernando Pessoa em relação ao Orpheu na mesma busca de conhecimento de uma identidade profunda.
Uma linguagem em que esteticamente não possui uma classificação precisa quanto a sua colocação dentro das escolas e/ou movimentos literários.
Mas, independente de parecer pertencer aos clássicos e românticos, saudosistas, simbolistas e modernistas, está naturalmente integrada na família do melhor lirismo português, e por isso tem sido considerada uma das figuras femininas mais importante da Literatura Portuguesa.

ANÁLISE POÉTICA DO “EU”

 “Eu”
O poema “Eu” de Florbela Espanca, encontrado no seu Livro de Mágoas (1919), demonstra a definição que ela tem de si mesma acerca da vida e do mundo, envolvendo temas como: morte, amor, destino, solidão, dor e insaciabilidade, levando-nos a conhecer um pouco de Florbela Espanca, esta mulher tão singular na Literatura Portuguesa.
No primeiro quarteto, nos dois primeiros versos: “Eu sou a que no mundo anda perdida, / Eu sou a que na vida não tem norte”, encontramos o tema da solidão (“perdida”) e o da incerteza do destino (“não tem norte”), ou seja, não tem um rumo certo na vida, um caminho a seguir. O “Andar perdida” pode nos remeter a acontecimentos da sua vida pessoal, como o fato de ter perdido a mãe muito cedo, de não conseguir ter filhos e a busca incessante do amor e da felicidade, que nesse contexto já tinha sido infeliz no primeiro casamento.
Nos dois últimos versos do quarteto, tem-se a presença do sonho e da dor, quando diz: “Sou a irmã do Sonho, e desta sorte / Sou a crucificada... a dolorida...”, por sonhar demais e ser considerada uma mulher diferente para sua época era incompreendida pela sociedade.
No segundo quarteto desenvolve o tema da morte e do destino, e mais uma vez a incompreensão. Em: “Sombra de névoa tênue e esvaecida”, Florbela aparece com característica simbolista, e não só nesse verso também a presença de maiúsculas, reticências, etc. em outros versos do poema. Neste verso mostra-se como tênue ou de pouca importância, e nos versos seguintes: “E que o destino amargo, triste e forte, / Impele brutalmente para a morte! / Alma de luto sempre incompreendida!...”, encara o destino como forte e amargo, e que é o responsável por levá-la a morte. Assim a alma de Florbela é de luto, pela constante incompreensão por parte da sociedade. Temas como destino e morte são frequentemente tratados em decorrência de seus conflitos existenciais.
No primeiro terceto ela destaca um fato muito importante da sua vida: a falta de atenção, a descriminação, o estereótipo que ela sofria por toda a gente pensar que estava sempre triste, mas confessa não saber o porquê de muitas vezes chorar. Não só falta de atenção à sua pessoa em si, mas também de suas obras que passaram despercebidas à sociedade.
No último terceto: “Sou talvez a visão que Alguém sonhou, / Alguém que veio ao mundo para me ver / E que nunca na vida me encontrou!”, ela apresenta uma de suas principais características, a insaciabilidade, sua constante insatisfação, sempre sonhando com um Alguém e que um dia vai encontra-la, um amor perfeito feito especialmente para ela, e que o espera ansiosamente. Os desencontros do amor.
Em resumo, o poema trata da fragilidade do Eu, a constante busca de algo que não se sabe, um tema constante ao longo do tempo, que reflete a dor, a incompreensão sofrida por Florbela. Ela é uma mulher desnorteada, cobiçando a evasão.
A sensação de predestinação em que a culpa da morte é do destino é uma constante na poesia de Florbela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS a solidão e a tristeza

Com base na análise do poema e no conhecimento adquirido sobre a vida e obra de Florbela Espanca, percebe-se que ela não teve uma vida muito triste e solitária, mas usou a solidão e a tristeza na literatura para se expressar, e a produção é muito bem conseguida e elaborada, com características que fazem dessa mulher a poetisa e figura feminina entre as mais marcantes de Portugal.
Florbela Espanca é uma figura importantíssima para toda a literatura portuguesa, senão mundial como exemplo de mulher que não teve medo de enfrentar os preconceitos da sociedade da sua época, e por isso merece ser estudada com muita atenção e dedicação.
REFERÊNCIAS
 ABDALA JUNIOR, Benjamim. PASCHOALIM, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1985.
BRITO, José Carlos A.. Florbela Espanca, a alma em expansão. Disponível em: 
ESPANCA, Florbela (1894-1908). Sonetos. Ed. Completa com um estudo crítico de José Régio. São Paulo: DIFEL, 1982.
GOLDSTEIN, Norma. Análise do Poema. São Paulo: Ática, 1988.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 36ª ed.. São Paulo: Cultrix, 2009.



1 comentário:

  1. Gostei do trabalho que fizeste, pena que não haja mais poemas de florbela analisados... vou ter um teste de literatura portuguesa e tenho imensa dificuldade.

    ResponderEliminar