O teu e o meu amor… palavra sem rendição (Análise do Soneto de William Shakespeare)


Pousei há pouco o meu olhar 
nesta tão grande e singela poesia que é o mar
Redigida cúmplice do universo
Sintaxe indiscreta a desabotoar-me a alma
Efusivo vulcão que se excede em mim
Muita comoção… 
ânsia funda que me habita
A avidez de esmiuçar tristezas
Doutrinar raciocínios enormes
pensamentos onde me circundas
Nós a gemer a fome de todas as fomes
Mãos ambíguas roçam na pele
Olhares em desassossego 
- Irrompem de todos os lados –
O coração tem tantos caminhos cruzados
Tantas aparições com fôlegos e tortura

E no talento das metáforas
Brotam as sensações - 
derramo palavras nos silêncios
Ilegítimos dilúvios do meu interior –
Confissões... do teu e o meu amor…
Degrau a degrau, palavra a palavra sem rendição –
Tanta iluminação poética a ferir-me –
No rigor das luzes 
Do interior tudo vem mais nítido
Imagens ribombam no espaço
Pouso-as na íntima e difusa astúcia do poema
Exprimo-as sem contenção
E cabe-me toda a lírica no que traço
sem remissão

Camila Carreira 

Este poema reflete uma intensa relação entre o eu lírico e o mar, que surge como metáfora para sentimentos profundos, revelações e conflitos internos. A abertura, ao posicionar o olhar sobre o mar, prepara o leitor para o que virá: uma exploração emocional e reflexiva sobre a complexidade do sentir e do pensar.

O mar é visto como uma “poesia” – uma força natural que ressoa com a alma do eu lírico. Essa ligação é evidenciada pela "cumplicidade do universo", sugerindo que o mar é um espelho da interioridade humana, capaz de desabrochar emoções reprimidas. O termo “vulcão” carrega o peso de uma explosão interna, sugerindo a inevitabilidade de que esses sentimentos e pensamentos vêm à tona, inundando o eu lírico com uma “ânsia funda”.

Ao longo do poema, o eu lírico menciona o desejo de explorar a tristeza e refletir profundamente, mostrando uma atitude filosófica de quem busca entender e confrontar os próprios pensamentos e dores. A referência ao “nós a gemer a fome de todas as fomes” sugere um desejo insaciável e talvez uma inquietação que habita o eu lírico e outros em sua vida, reforçando a universalidade e a profundidade dessa experiência de fome emocional.