Poema o palco da vida para se amar

Poema de esperança

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Na vida deambulamos tropeçando
Derribados, sem destino, para nós
Vivemos caindo e desanimando
Num olvido vazio, frouxo e atroz

Procuramos ávidos tantos recantos
Gorados, sonhamos… desdenhamos
Encalhados no veredito dos desencantos
Num infecundo viver que desprezamos

Mas no breu, incandescente virá a luz
Brutal esperança que me enfeitiçará.
A crença em amores leais que supus
Deslumbre e fantasia que me sanará

E minha alma desamada, questionou:
Quem ousou dizer que não existias?
Quem cruelmente me sentenciou,
À resignação das noites frias e vazias?

As trevas começaram a relampear
As noites gélidas, a amornar
O vazio cru passou a significar
E a vida... um palco pra se amar   
 
****Camila Carreira***


Momentos de cultura e curiosidades poéticas... 


Bernardo Soares
Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa.


Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o relâmpago, aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo fosse. Se tive que reencarnar, reencarnei sem mim, sem ter eu reencarnado.

Sou os arredores de uma vila que não há, o comentário prolixo a um livro que se não escreveu. Não sou ninguém, ninguém. Não sei sentir, não sei pensar, não sei querer. Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar.

Penso sempre, sinto sempre; mas o meu pensamento não contém raciocínios, a minha emoção não contém emoções. Estou caindo, depois do alçapão lá em cima, por todo o espaço infinito, numa queda sem direcção, infinitupla e vazia. Minha alma é um maelstrom negro, vasta vertigem à roda de vácuo, movimento de um oceano infinito em torno de um buraco em nada, e nas águas que são mais giro que águas bóiam todas as imagens do que vi e ouvi no mundo - vão casas, caras, livros, caixotes, rastros de música e sílabas de vozes, num rodopio sinistro e sem fundo.

E eu, verdadeiramente eu, sou o centro que não há nisto senão por uma geometria do abismo; sou o nada em torno do qual este movimento gira, só para que gire, sem que esse centro exista senão porque todo o círculo o tem. Eu, verdadeiramente eu, sou o poço sem muros, mas com a viscosidade dos muros, o centro de tudo com o nada à roda.

E é, em mim, como se o inferno ele-mesmo risse, sem ao menos a humanidade de diabos a rirem, a loucura grasnada do universo morto, o cadáver rodante do espaço físico, o fim de todos os mundos flutuando negro ao vento, disforme, anacrónico, sem Deus que o houvesse criado, sem ele mesmo que está rodando nas trevas das trevas, impossível, único, tudo.

Poder saber pensar! Poder saber sentir!
Minha mãe morreu muito cedo, e eu não a cheguei a conhecer...
trecho 262, Livro do Desassossego, Bernardo Soares


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