Brotem palavras de tambores ou gerânios
As vielas que fechadas se abram de par em par
As noites negras que me dissipem
Pelas ruas, indo como num labirinto
Enlevo-me em vestes retalhadas
De todas as eiras e fainas
conquistas e derrotas debulhadas
Pele e alma calejadas da lide
Renascida na fascinação repentina que me anima
Esmifro tudo que se me atira aos olhos
Vejo tanto do todo que não se me apresenta
Ímpetos sem tréguas encarnando emoções
- e vós ai… amorfas corroendo fábulas antigas
Carpireis lírios lúgubres em colchas inertes
Bordareis em suspiros a sorte - a morte
Memórias rendilhadas esculpidas por sujeição
Sibilando rancores e dós ignotos
De quem sabe apenas o que lhe dão
Aceitam e consentem sem aflição
Eu! - Sou impertinente elevo a perplexão
Praguejo na praça atirando poemas
Empunho pedras e cravos como brados
Nasci voz e grito séculos de libertação
Alimentei em mim exércitos de provocação
Talvez abrupta... talvez exausta
Por nascer e morrer nesta berma desbotada
Onde o que te mostram é nada
Onde os limites se pisam a toda a hora
Onde as revoluções se urdem
Recuso viver à superfície das coisas
Escolho abismos
Movo-me na intimidade de tudo
No âmago da suspeição
Porque é a profundidade que amo
Se é a verdade que busco
Camila Carreira
COMO ANALISAR O POEMA
Esse poema transmite uma sensação de luta interna, resistência e busca por significado em meio à complexidade da vida. Aqui estão algumas das principais ideias e temas que emergem:
Renascimento e Renovação: O início do poema fala sobre brotar palavras de tambores e gerânios, sugerindo um desejo de expressão e renovação. O uso de imagens como "noites negras que me dissipem" pode indicar um desejo de libertação e clareza.
Reflexão sobre a Existência: As referências a vielas fechadas e labirintos evocam uma sensação de confusão e busca. O eu lírico parece estar explorando a complexidade da vida e as suas experiências, tanto positivas quanto negativas (conquistas e derrotas).
Experiência e Resistência: As "pele e alma calejadas da lide" indicam que o eu lírico passou por dificuldades e desafios, mas também encontrou beleza e fascinação em sua jornada. A linguagem sugere uma resiliência frente às adversidades.
Crítica à Conformidade: A menção a "memórias rendilhadas repetidas de sujeição" e a aceitação passiva da dor destaca a crítica à conformidade e ao conformismo social. O eu lírico se posiciona contra essa submissão e expressa sua indignação.
Voz e Provocação: A imagem de "atirar poemas" e "empunhar pedras e cravos" revela um desejo de protesto e mudança. O eu lírico se vê como um agente provocador, usando sua voz para desafiar as normas e expressar suas emoções.
Profundidade e Intimidade: O poema enfatiza a importância de ir além da superficialidade, movendo-se "na intimidade de tudo" e buscando a verdade nas profundezas das experiências. O eu lírico valoriza a complexidade e a profundidade da vida, recusando-se a aceitar o que é superficial ou simples.
Busca pela Verdade: O desejo de descobrir a verdade permeia o poema, sugerindo que a autenticidade e a profundidade são essenciais para a experiência humana. Essa busca é apresentada como uma jornada contínua, marcada por incertezas e dúvidas.
Em suma, o poema é uma poderosa reflexão sobre a luta pela expressão, a resistência à conformidade, e a busca por significado e verdade em um mundo complexo. O tom é tanto crítico quanto introspectivo, revelando uma voz poética que se recusa a se calar diante das dificuldades.