Poema de paixão. Trespasso-te no silêncio com amor e gestos ( Análise de Sophia de Mello Breyner Andresen)

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Deito-me no soalho extremo da paixão
semi despida de barulho 
E semeias sorrisos em mim toda
quero declamar-te versos límpidos- 
esse barro que dá forma ao sentir
e molda filosofias em verbos

Trespasso o silêncio com amor e gestos
Com onomatopeias de fogo na espada
é devastadora a palavra gemida 
Ofuscante a dança que nos une
A luz vem de dentro - o brilho vem de nós
Os humores da carne gravam-se
como líquenes no lado sombrio da oliveira -
brotos brotando da pele da alma 
raízes profundas afiladas, prendem-nos 
e quando nossos olhos se atravessam - 
o espanto aquieta-se com aroma a paz
Pensamentos fluem na mesma cláusula -
silêncios talhados na nossa cumplicidade. 
Juntos na harmonia dos bandos

Camila Carreira

Análise do Poema pela inteligência artificial AI
Este poema de Camila Carreira explora a intensidade da paixão e da conexão entre o eu lírico e o outro, sugerindo uma fusão emocional e física que ultrapassa as barreiras do silêncio e da linguagem. O poema começa com o eu lírico a deitar-se “no soalho extremo da paixão”, uma imagem que traz uma sensação de entrega total e vulnerabilidade. Estar “semi despida de barulho” representa uma entrega íntima e silenciosa, onde as palavras e o ruído externos se desfazem, permitindo que a conexão autêntica aconteça.

A imagem de “semeias sorrisos em mim toda” invoca um crescimento de sentimentos positivos que emergem do outro, como se o eu lírico fosse um solo fértil onde a alegria e o afeto florescem. A metáfora do “barro” evoca a ideia de que o sentimento é algo maleável, que pode ser moldado, criando “versos límpidos” e dando forma às emoções. A ideia de “moldar filosofias em verbos” sugere uma conexão com significados profundos e valores que vão além do físico, sublinhando a busca por algo verdadeiro e eterno. 

No trecho seguinte, o poema desenvolve a ideia de que o silêncio é quebrado com amor e gestos. A metáfora das “onomatopeias de fogo na espada” intensifica a paixão e sugere que a expressão dos sentimentos acontece de maneira potente e visual. A palavra “devastadora” indica o impacto forte das palavras e ações, enquanto a “dança” unificadora sugere um fluxo harmonioso e natural entre ambos. Esta dança interna parece trazer uma luz e um brilho que vêm de dentro, refletindo uma unidade de alma e corpo.

A imagem do “lado sombrio da oliveira”, onde os humores da carne se gravam, carrega uma conotação de permanência e de vida que cresce até nas sombras, mostrando como essa paixão deixa marcas profundas e duradouras. As “raízes profundas afiladas” simbolizam a ligação íntima entre o casal, enraizando-os emocional e espiritualmente. O espanto que surge quando seus olhares se cruzam é suavizado pela “paz”, sugerindo um entendimento silencioso que dispensa palavras e expressa cumplicidade.

A conclusão, onde o eu lírico fala de “silêncios talhados na nossa cumplicidade” e da harmonia compartilhada “dos bandos”, indica uma comunicação profunda e não-verbal entre o casal, uma linguagem própria e quase sagrada. Esses silêncios e harmonias finalizam o poema com uma sensação de união que transcende o físico e se enraíza na alma e na compreensão mútua.

O poema é, assim, uma celebração da profundidade da paixão e da comunicação entre duas almas que se entendem sem precisar de palavras, refletindo uma busca pelo sentido da relação em uma linguagem partilhada de gestos, sensações e raízes.

10 POEMAS INESQUECÍVEIS DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN- Análise : Porque são especiais os poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen

MAR
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

É um poema especial porque…
O foco reside num dos principais interesses de Sophia de Mello Breyner Andresen, explorado em grande parte dos seus poemas: o mar e, num conceito ainda mais amplo, a natureza como referência de beleza e perfeição.

INSCRIÇÃO
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar

É um poema especial porque…
Envolve, uma vez mais, o fascínio pelo mar mas também fatalismo, nostalgia, arrependimento e a certeza de que a natureza é a resposta para todas as nossas questões. Tudo em apenas duas linhas.

ESTE É O TEMPO

Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam.

É um poema especial porque…
A liberdade (física e/ou espiritual) é outro dos motivos mais frequentes na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, e a autora aborda-a aqui de forma implícita através de um contraste bem conseguido com prisões e prisioneiros.

AS PESSOAS SENSÍVEIS

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”
Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão”.

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

É um poema especial porque…
Na sua obra poética, Sophia de Mello Breyner Andresen preocupa-se mais em exultar o belo do que em evidenciar os males da sociedade. Mas há exceções. Como este poema, no qual critica abertamente a ganância e a hipocrisia de alguns.

PORQUE

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

É um poema especial porque
Mascarado de poema romântico, é na verdade – ou também – mais uma denúncia bem vincada à corrupção, ao oportunismo e à falsidade.

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

É um poema especial porque…
É um comentário em poucas palavras mas que diz muito sobre um dos mais importantes eventos da História de Portugal.

FERNANDO PESSOA

Teu canto justo que desdenha as sombras
Limpo de vida viúvo de pessoa
Teu corajoso ousar não ser ninguém
Tua navegação com bússola e sem astros
No mar indefinido
Teu exato conhecimento impossessivo.

Criaram teu poema arquitetura
E és semelhante a um deus de quatro rostos
E és semelhante a um deus de muitos nomes
Cariátide de ausência isento de destinos
Invocando a presença já perdida
E dizendo sobre a fuga dos caminhos
Que foste como as ervas não colhidas.

É um poema especial porque…
É exemplo de vários tributos e homenagens que Sophia de Mello Breyner Andresen fez a outros grandes nomes da poesia portuguesa, como Fernando Pessoa (ler também “Homenagem a Ricardo Reis” e “Cíclades”) ou Luís Vaz de Camões (ler “Soneto à maneira de Camões”, mas também “Camões e a tença” e “Gruta de Camões”).

INVENTEI A DANÇA PARA ME DISFARÇAR

Inventei a dança para me disfarçar.
Ébria de solidão eu quis viver.
E cobri de gestos a nudez da minha alma
Porque eu era semelhante às paisagens esperando
E ninguém me podia entender.

É um poema especial porque…
Revela outro dos interesses pessoais de Sophia de Mello Breyner Andresen: a dança. É um facto menos conhecido sobre a autora, mas Sophia considerava a dança “um elemento dionisíaco ligado ao ritmo e à despersonalização” e entretinha-se muitas vezes a imaginar bailados e a inventar danças.

AUSÊNCIA

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

É um poema especial porque…
Tem uma simplicidade enternecedora.

POEMA

A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

É um poema especial porque…
É quase um corolário da vida e obra de Sophia de Mello Breyner Andresen que, vários anos após a morte, mantém de facto a terra, o sol, o vento e o mar como sua biografia.

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