Poema de amor. Se eu fosse lua no sossego da tua boca. (análise do poema de Luís de Camões)

Na noite que é espessa –  acendes vogais em palavras que escrevo  Lê-me...

Solidão que ousa 
fogo que queima o oxigénio à razão
desperta todas as coisas que adiei
e das memórias convulsas derramo arrependimento
quis viver tudo sem perdão
 foi fútil toda a ambição -
toda a aflição do tempo encriptado-
toda a pieguice do vazio passado
... e como é veloz a vida... insaciável 
nem se matam todas as fomes
foi noite espessa, foi estéril 
casto espanto me cercava ilegível
ascendi para infinitos inexplicáveis
obstinados temores onde fui rebeldia
sinto a antiguidade como baú lacrado
em mim cravado

Nas ruas vagas e lívidas –
tento acender vogais nas palavras que escrevo
alvas linhas que traçam destinos fechados 
irremediáveis  
tanta vida a apagar-se em vazio torpe 
Obsceno esmorecer de sufoco e cansaço
Tanto peso e abdicação na candeia consumida
Mas fora eu única e lua no sossego da tua boca
E tudo ficaria vivo e desperto até às horas mais tardias

Neste quase nada que é tanto, o instante 
é vinho e poema-  a palavra é parca
o silêncio clama 
vida é lampejo tão à beira do abismo
tanto mar e tão poucas correntes me levaram
presa nas ondas extremosas do amor
no cais à proa onde a âncora é dor 
ancorada remetida... sem poder partir 

Camila Carreira

ANÁLISE DO POEMA PELA INTELIGENCIA ARTIFICIAL AI

Este poema explora a dor e a complexidade da solidão e da busca por sentido diante da vida, capturando tanto a angústia como a intensidade dos sentimentos do eu lírico. Ele abre com um confronto direto com a solidão, descrita como um fogo que “queima o oxigénio à razão”, uma imagem que transmite a ideia de uma força avassaladora e descontrolada que compromete a clareza mental. As memórias adormecidas despertam junto ao arrependimento, levando o eu lírico a revisitar ambições e desejos fúteis que se tornaram infrutíferos.

A reflexão sobre o tempo enfatiza a efemeridade e o vazio sentido, numa vida onde “nem se matam todas as fomes”, sugerindo uma insaciabilidade emocional. Essa noite de vida estéril e densa é marcada por uma existência “ilegível”, que o eu lírico descreve como se ascendesse a “infinitos inexplicáveis”, lugares de temor e de rebeldia, como se buscasse sentido em experiências passadas que permanecem enigmáticas.

No segundo verso, as “ruas vagas e lívidas” sugerem a paisagem de uma mente ou de uma cidade desolada, onde o eu lírico busca nas palavras um refúgio. Ele “acende vogais nas palavras que escreve”, uma metáfora que representa o desejo de iluminar os sentimentos, de dar vida e sentido ao que viveu. As “linhas alvas” são descritas como “destinos fechados”, indicando que as escolhas e as experiências da vida podem já estar marcadas e irreversíveis, contribuindo para o sentimento de resignação e de perda.

A seção final do poema revela uma reflexão sobre a insignificância da vida (“neste quase nada que é tanto”), ao mesmo tempo em que valoriza cada instante como algo precioso, onde o “instante é vinho e poema”. Essa imagem final é rica em simbolismo, mostrando que a vida, embora breve e frágil, também é algo a ser saboreado e registrado, ainda que nas profundezas de um amor que se mostra tanto âncora quanto dor.

A angústia final de estar “ancorada remetida... sem poder partir” resume o dilema do eu lírico: o desejo de ser livre e encontrar propósito, mesmo que esteja atada à dor e à solidão. O poema, assim, oferece uma visão de uma vida permeada pela luta entre o desejo e a renúncia, onde a escrita é uma tentativa de iluminar e, talvez, dar sentido a tudo o que permanece sombrio e inalcançável.


Amor é fogo que arde sem se ver- análise do poema de Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver é um soneto de Luís Vaz de Camões. Grande escritor português, autor de Os Lusíadas, maior poema épico da língua portuguesa. Nasceu em 1524 e morreu em 1580, provavelmente, em Lisboa.

Análise

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Análise e interpretação

O poema de Camões é um soneto italiano. O soneto é uma forma fixa de poesia que consiste em quatro versos: os dois primeiros com quatro estrofes (quartetos) e os últimos com três estrofes (tercetos). A estrutura costuma ser a mesma. Começa com a apresentação de um tema, que passa a ser desenvolvido, e, geralmente no último verso, contém uma conclusão que esclarece o tema.

A poesia de Camões segue a fórmula do soneto clássico. É decassílabo, o que significa que contém dez sílabas poéticas em cada estrofe. A sílaba poética, ou sílaba métrica, se diferencia da gramatical porque ela é definida pela sonoridade. A contagem das sílabas em uma estrofe termina na última sílaba tônica.

/é/ um/ con/ten/ta/men/to/ des/con/ten/te

1 / 2 / 3 / 4 / 5 / 6 / 7 / 8 / 9 / 10 / x

Nas primeiras onze estrofes podemos observar uma cesura na sexta sílaba poética. A cesura é uma pausa rítmica no meio da estrofe. O poema possui um esquema rítmico clássico, formado por ABBA, ABBA, CDC, DCD.

A = er; B= ente; C = ade; D = or.

O formato do soneto clássico e a sonoridade estão diretamente relacionados ao conteúdo do poema. Nas onze primeiras estrofes temos o desenvolvimento de um raciocínio, e, nessas estrofes, observamos uma sonoridade próxima por conta das rimas e da pausa na sexta sílaba métrica.
O tema da poesia é desenvolvido por meio do silogismo, que é um sistema de raciocínio desenvolvido por Aristóteles em que afirmações prepositivas levam a uma conclusão lógica. No poema de Camões, as preposições são feitas nos dois quartetos e no primeiro terceto, sendo a última estrofe a conclusão do silogismo.

Camões usa a antítese para desenvolver as suas preposições. Antítese é uma figura de linguagem onde se busca a aproximação de ideias opostas. Deste modo, ele consegue aproximar coisas que parecem distantes para explicar um conceito tão complexo como o amor.

"Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer."

No primeiro verso, podemos observar que essas ideias opostas também estão unidas por uma ideia de causalidade: primeiro o fogo, que causa a ferida e que leva à dor. Essa relação ajuda a unir ainda mais a premissa do poema e a entender a imagem que Camões passa do amor.
Por meio da aproximação dos opostos, o poeta nos traz uma série de afirmações sobre o amor que nos parecem contraditórias, mas que são inerentes à própria natureza desse sentimento. Na última estrofe, Camões apresenta a sua conclusão.

"Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor"

Camões usa do pensamento lógico para expor um sentimento humano muito profundo e complexo, o amor. O tema do amor é muito caro à poesia, sendo explorado há muito tempo por diversos escritores.
Uma das figuras mais abordadas sobre o amor é a lealdade do que ama em relação ao amado. As cantigas medievais versavam constantemente sobre esse sentimento de servidão, e o autor não deixa de colocá-lo no seu poema, usando sempre a antítese para construir seu argumento.

"É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade."
Camões exprime a dualidade desse sentimento de uma forma exemplar. Alcançando o cerne de um dos sentimentos mais complexos que existem; que nos provoca tanto prazer e sofrimento ao mesmo tempo.
O poema se torna atemporal na medida em que o tema abordado é universal e as figuras usadas para desenvolvê-lo são complexas e belas. Camões consegue conciliar imagens muito opostas para explicar o que é o amor.

O amor, assim como tudo na vida, é um jogo de dualidades, de ambiguidades, que faz parte do cerne do ser humano. Não existe sentimento humano que possa ser explicado de forma clara e simples. Porém, alguns poetas conseguem exprimir de forma inteligível coisas tão complexas como o amor.
Camões é um desses poetas. Seu soneto é um desses exemplos de uso fino da palavra, da criação de figuras e imagens, que nos ajudam a entender um pouco de nós mesmos.

1 comentário:

  1. " Que aprendam a pensar difícil, porque nem o mistério nem a evidência são fáceis."

    Umberto Eco

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