Poema motivacional do mundo quebrado

camila carreira, poetisa portuguesa, poema da força de viver

MUNDO EM MIL PEDAÇOS

Olha p´ro mundo…
Só estilhaços!
Almas desfeitas,
Em mil pedaços
Solta-te e vai!!
Cerra o passado,
Equivocado
Corta os laços,
Fende os espaços.
Desata os abraços,
De que não careces,
São embaraços.
Cessa os esforços,
Detêm-te lasso.
Rasga o tempo,
E sem delongas,
Escapa ao mundo,
Insípido e de sombras.
Baixa os braços,
Não mais os ergas.
Apaga as memórias
… são só histórias
Das inglórias

Olha p´ro mundo
Renuncia moribundo.
Não mais insistas,
Não mais resistas,
Não mais existas,
Se só negro avistas.
E o negro roga,
Com voz gelada,
Que tu desistas,
Que tu sucumbas.
E o negro é frio
E frio é esse rio
Revolto e feroz
Da vida atroz
Onde derivas,
Solitário e vazio
Ansioso por repousar
Diluído na paz da foz
   
**** CAMILA CARREIRA****


Momentos de cultura e curiosidades poéticas... 



Bernardo Soares
A renúncia é a libertação. Não querer é poder.


A renúncia é a libertação. Não querer é poder.

Que me pode dar a China que a minha alma me não tenha já dado? E, se a minha alma mo não pode dar, como mo dará a China, se é com a minha alma que verei a China, se a vir? Poderei ir buscar riqueza ao Oriente, mas não riqueza de alma, porque a riqueza de minha alma sou eu, e eu estou onde estou, sem Oriente ou com ele.

Compreendo que viaje quem é incapaz de sentir. Por isso são tão pobres sempre como livros de experiência os livros de viagens, valendo somente pela imaginação de quem os escreve. E se quem os escreve tem imaginação, tanto nos pode encantar com a descrição minuciosa, fotográfica a estandartes, de paisagens que imaginou, como com a descrição, forçosamente menos minuciosa, das paisagens que supôs ver. Somos todos míopes, excepto para dentro. Só o sonho vê com (o) olhar.

No fundo, há na nossa experiência da terra duas coisas — o universal e o particular. Descrever o universal é descrever o que é comum a toda a alma humana e a toda a experiência humana — o céu vasto, com o dia e a noite que acontecem dele e nele; o correr dos rios — todos da mesma água sororal e fresca; os mares, montanhas tremulamente extensas, guardando a majestade da altura no segredo da profundeza; os campos, as estações, as casas, as caras, os gestos; o traje e os sorrisos; o amor e as guerras; os deuses, finitos e infinitos; a Noite sem forma, mãe da origem do mundo; o Fado, o monstro intelectual que é tudo... Descrevendo isto, ou qualquer coisa universal como isto, falo com a alma a linguagem primitiva e divina, o idioma adâmico que todos entendem. Mas que linguagem estilhaçada e babélica falaria eu quando descrevesse o Elevador de Santa Justa, a Catedral de Reims, os calções dos zuavos, a maneira como o português se pronuncia em Trás-os-Montes? Estas coisas são acidentes da superfície; podem sentir-se com o andar mas não com o sentir. O que no Elevador de Santa Justa é universal é a mecânica facilitando o mundo. O que na Catedral de Reims é verdade não é a Catedral nem o Reims, mas a majestade religiosa dos edifícios consagrados ao conhecimento da profundeza da alma humana. O que nos calções dos zuavos é eterno é a ficção colorida dos trajes, linguagem humana, criando uma simplicidade social que é em seu modo uma nova nudez. O que nas pronúncias locais é universal é o timbre caseiro das vozes de gente que vive espontânea, a diversidade dos seres juntos, a sucessão multicolor das maneiras, as diferenças dos povos, e a vasta variedade das nações.

Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu.
s.d. Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.  - 390. "Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.



camila carreira, Poemas de amor rosas e cinzas, poetisa portuguesa

camila carreira, Poemas de amor rosas e cinzas, poetisa portuguesa

camila carreira, Poemas de amor rosas e cinzas, poetisa portuguesa

2 comentários:

  1. Intenso, gostei do estilo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim é um poema intenso, sentido com a força de quem quer libertar-se do caos mundano. Obrigada pela visita e pelo elogio :)

      Eliminar