Amanhecer apaixonada
Esmorecia o dia, profundo e triste
Escurecia... eu só e desalentada
Desfilava a noite intermitente,
Ora estrelada, ora nublada
Pela névoa ondulante e agitada.
E foi na bruma que surgiste
Ouvir-te... Iluminava
Aquecia e abraçava
Imaginar-te sufocava
No peito eras fogo a deflagrar
Aspirei ávida a fresca brisa do mar
Que eu tanto demandava
Só nessa brisa aquietava
Palpitante... desentrapada
... inquieta... Irrequieta, abrasada
... inquieta... Irrequieta, abrasada
E ao sobrevir a madrugada
Rendida, faminta fascinada,
Confessei-me apaixonada…
Penetrou luz no meu coração
Nos céus na terra… a imensidão
Senti estrondos e um clarão
Minha alma rejubilou, enfim
Ao vibrar no peito a paixão
A vitalidade agarrou em mim
Nem que fora só na imaginação
Precisava sacudir-me assim
Mas a anunciada madrugada
Óbvia de nuvens alvo marfim
Delatara minha glória ideada
Que à crua luz do dia era nada
Mas agora sei que sim.
Preciso sentir-me assim
Apaixonada vivificada
Nem que eternamente desenganada
Pelo despertar impiedoso da luz da madrugada
Que me despoja o sonho de apaixonada
****CAMILA CARREIRA****
Momentos de cultura e curiosidades poéticas....
Fernando Pessoa
A tua voz fala amorosa...
A tua voz fala amorosa...
Tão meiga fala que me esquece
Que é falsa a sua branda prosa.
Meu coração desentristece.
Sim, como a música sugere
O que na música não está,
Meu coração nada mais quer
Que a melodia que em ti há...
Amar-me? Quem o crera? Fala
Na mesma voz que nada diz
Se és uma música que embala.
Eu ouço, ignoro, e sou feliz.
Nem há felicidade falsa,
Enquanto dura é verdadeira.
Que importa o que a verdade exalça
Se sou feliz desta maneira?
22-1-1929 Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). - 108.
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