Poema de desolação de uma vida queimada

Desviei-me de mim
poemas de amor rosas e cinzas, camila carreira, poetisaEsqueci que existia
Deixei de ser,
E nem percebia
Só quis dar
E nem recebia.
Exigiram-me tanto
E eu nada pedia.
Atarefada e esgotada
Porque a todos atendia,
A minha vida esquecia
Pelo bem de todos cedia
Numa entrega doentia.
Desleixei minha existência
Acreditei, já nem me defendia
Da maldade que me oprimia.
Promessas falsas e mentiras,
Isolamento e solidão… e eu cria
Entorpecia e nem sabia.
O meu futuro passou a utopia
Que aos poucos se desvanecia

Mas eu torpe e espoliada
Já nem podia ripostar
Nada tinha para me validar
Para exigir ou negociar
Era um nada frágil a pairar
Esqueci de duvidar
Esqueci de querer
De sonhar
Esqueci de rir
De pedir
De me olhar
De gritar
Ou de gemer
Quando estava a doer
Esqueci de me debater
camila carreira, poemas de amorEsqueci de mim…
Até que chegou o fim...
Usada e descartada
Olhei-me com desdém
Não me sentia ninguém
Apenas cinzas frias e baças
Espólios da devastação
De uma vida queimada...

*** Camila Carreira ****


Momentos de cultura e outras curiosidades poéticas... ~


Bernardo Soares
Minha alma é uma orquestra oculta;

Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.

Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho inerte.

As tuas mãos são rolas presas.

Os teus lábios são rolas mudas.

(que aos meus olhos vêm arrulhar)

Todos os teus gestos são aves. És andorinha no abaixares-te, condor no olhares-me, águia nos teus êxtases de orgulhosa indiferente.

E toda ranger de asas, como dos (...), a lagoa de eu te ver. Tu és toda alada, toda (...)

Chove, chove, chove...

Chove constantemente, gemedoramente (...)

Meu corpo treme-me a alma de frio... Não um frio que há no espaço, mas um frio que há em vir a chuva...

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.

s.d.
Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.  - 128.
"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

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