Submissos ao inexequível
Aprendemos a entranhar a dor que foi
E nunca vai deixar de ser
Que ainda nos faz sofrer.
Mágoas impossíveis de esquecer
Latejam perenemente
Como um coração a bater
Que só para quando morrer…
Mesmo dorido e estafado,
Dói e volta a doer
Como um castigo compassado
Surdinado
Que celebra más memórias,
Sem nunca se comover...
Revives a tormenta
De jamais poder esquecer
Do tanto que deste,
Sem esperar receber
Do muito que perdeste,
E não vais reaver
Do tempo que voou,
E não pudeste viver
E a dor entra sem nunca sair
Rasga e molda o porvir
E cada fenda desenha a vida
Violentas lágrimas a sulcaram
Como às rochas que a onda fustiga
E profundos sulcos lhe escavaram
Dói-me a alma como um espinho
Que a vida cravou em mim
Bracejo grito e desatino
Repudio esta dor sem fim.
Dói-me o olhar só de ver,
O quanto caí profundo
E sinto convicta a perdição…
Que nada me salvará do mundo
*** Camila Carreira ***
Momentos de cultura e outras curiosidades poéticas...
Fernando Pessoa
Hoje estou triste, estou triste.
Hoje estou triste, estou triste.Estarei alegre amanhã...
O que se sente consiste
Sempre em qualquer coisa vã.
Ou chuva, ou sol, ou preguiça...
Tudo influi, tudo transforma...
A alma não tem justiça,
A sensação não tem forma.
Uma verdade por dia...
Um mundo por sensação...
Estou triste. A tarde está fria.
Amanhã, sol e razão.
22-4-1928
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). - 89
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