Alma de quem ama mas já não quer amar

A Luz trespassa o fusco vago do mar
Cintila no espelho espumado, a ofegar
Ondeando teimando em vir sem ficar
Como quem ama, sem ter quem amar
*
Cinzas sombreiam a noite eminente
Anunciada na lua pura alva luzente
O crepúsculo desmaia de cor ausente
Como coração vazado, de beijos carente
*
Desanimo na grandeza fugaz do mundo
Pujante, imensurável como o doer profundo
Prefiro olhar alheia como quem não quer ver
Porque vivo bassa como quem não quer viver
*
E as ondas eriçam-se frias, iradas por mim
Infinitas incessantes como a fúria sem fim
Desespero por paz num refúgio de ilusão
Onde finjo que sim... mas em tudo é não
*
Porque dessas rochas polidas de tanto mar
Escorrem gotas de sal do meu solto chorar
E rugem ondas arrancadas da alma a gritar
Alma de quem ama mas já nem quer amar
**** Camila Carreira ***
Como analisar um poema
Este poema é uma expressão profundamente melancólica, que evoca imagens de solidão, tristeza e resignação. Através de metáforas relacionadas ao mar e à natureza, o eu lírico transmite a intensidade das suas emoções e o seu desespero perante a própria existência e o amor.
**Análise:**
1. **Luz e o mar como símbolos de transitoriedade:**
A "Luz que trespassa o fusco vago do mar" sugere uma tentativa de encontrar clareza ou sentido, mas é efémera e passageira, como o "espelho espumado" que reflete e se dissipa. O mar, que "ondeia teimando em vir sem ficar", reflete o desejo e o amor que não encontram resposta, reforçando a sensação de vazio.
2. **Cores e a ausência de vida emocional:**
A palidez do crepúsculo, "de cor ausente", remete ao esgotamento emocional, comparado a um "coração vazado, de beijos carente". Aqui, o contraste entre a beleza natural e a falta de conexão humana enfatiza a solidão e a necessidade insatisfeita de amor e afeto.
3. **O desânimo diante do vasto e impessoal mundo:**
A vastidão do mundo é percebida como esmagadora, "imensurável como o doer profundo". O eu lírico prefere "olhar alheia", numa postura de desconexão, quase como se tivesse desistido de viver plenamente. A escolha de "viver bassa" ilustra a letargia emocional e física, como alguém que se arrasta pela vida sem vontade de a enfrentar.